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Prefácio do livro O Credo Voluntarista: A Filosofia do Voluntarismo de Auberon Herbert

Prefácio do livro O Credo Voluntarista: A Filosofia do Voluntarismo de Auberon Herbert

por Filipe Celeti


A história está repleta de defensores da liberdade, muitos dos quais permanecem pouco conhecidos no Brasil. Auberon Edward William Molyneux Herbert (1838-1906), escritor, teórico, filósofo e parlamentar britânico, é um desses pensadores cuja obra merece maior reconhecimento em nosso país.

 

Herbert foi um proeminente defensor do liberalismo clássico e desenvolveu as ideias de Herbert Spencer, promovendo a noção de um governo financiado voluntariamente, que utilizaria a força apenas para defender a liberdade individual e a propriedade privada. Ele defendia o conceito de tributação voluntária e rejeitava qualquer forma de coerção estatal, sendo o criador de uma versão do individualismo spenceriano conhecida como “voluntarismo” . Publicou diversas obras e fundou o jornal Free Life, por meio do qual disseminava sua visão de um "Estado Voluntário".

 

Nascido no Castelo de Highclere, em 1838, Herbert teve uma educação de elite, frequentando o Eton College e a Universidade de Oxford. Ele serviu no exército britânico e participou de eventos históricos como as guerras Prusso-Dinamarquesa e Franco-Prussiana. Sua carreira política incluiu um mandato como parlamentar, e ele esteve envolvido em diversos movimentos sociais e políticos ao longo de sua vida.

Auberon Herbert

Embora tenha sido associado ao anarquismo, Herbert rejeitava essa classificação. Sua visão distinguia-se do anarquismo tradicional, pois, em vez de rejeitar qualquer forma de governo, ele propunha uma administração política baseada na voluntariedade. O anarquista Benjamin Tucker elogiou Herbert em seu jornal Liberty, dizendo: "Auberon Herbert está morto. Ele era um verdadeiro anarquista em tudo, menos no nome. Quão melhor (e quão mais raro) ser um anarquista em tudo, menos no nome, do que ser um anarquista apenas no nome!"  .

 

G. K. Chesterton também comentou sobre Herbert, destacando: "Pode-se muito bem sustentar que Herbert Spencer era um anarquista. É praticamente certo que Auberon Herbert era um anarquista. Mas Herbert Spencer era um inglês extraordinariamente típico da classe média não conformista. E Auberon Herbert era um aristocrata inglês extraordinariamente típico da velha e genuína aristocracia. Todos sabiam, em seu coração, que o escudeiro não jogaria uma bomba na rainha, e o não conformista não jogaria uma bomba em ninguém."  

 

Mesmo após sua morte, as ideias de Herbert continuaram a influenciar debates sobre voluntarismo, individualismo e o papel do governo na sociedade. No entanto, suas contribuições foram em grande parte ignoradas por muitos intelectuais, como Friedrich Hayek, que em seu ensaio sobre o verdadeiro e o falso individualismo negligenciou toda a tradição inglesa, incluindo a obra de Herbert.

 

Embora suas ideias tenham perdido força ao longo do tempo, o voluntarismo voltou a ganhar destaque a partir de 1982, com a revista The Voluntaryist, publicada por George H. Smith, Wendy McElroy e Carl Watner. O termo "voluntarista" passou a ser adotado por libertários que criticavam a atuação política do Libertarian Party, promovendo uma estratégia não política para alcançar uma sociedade livre.

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Nesta obra, publicada postumamente em 1908, dois artigos de Auberon Herbert fornecem a base de seu voluntarismo. O primeiro dos dois artigos que compõem este livro é uma palestra intitulada Spencer a grande máquina, proferida por Auberon Herbert no Teatro Sheldonian em Oxford, no dia 7 de junho de 1906. Apesar do texto original estar dividido em três partes, optamos por incluir títulos em cada uma delas para facilitar a leitura e compreensão.

 

Herbert Spencer, o tema da palestra, foi um influente filósofo do século XIX, defensor do laissez-faire e da aplicação do conceito de evolução às esferas social e política. Spencer acreditava que a sociedade evoluía naturalmente em direção à complexidade e harmonia sem a necessidade de intervenção estatal. Ele via as tentativas do governo de moldar a sociedade por meio de coerção como prejudiciais à liberdade individual.

 

Para Spencer, o governo deveria ser mínimo, com a função primordial de proteger os indivíduos contra agressões internas e externas. Ele via a intervenção estatal como um "despotismo benevolente", que sufocava a inovação e o desenvolvimento pessoal. Sua crítica ao governo representativo baseava-se na ideia de que o princípio da maioria frequentemente resultava na dominação da minoria, minando a liberdade individual. Spencer temia que o crescimento dos poderes do Estado, mesmo em nome do bem comum, restringisse a autonomia pessoal e impedisse o progresso social.

 

Spencer também rejeitava a competição pelo poder político, considerando-a uma forma de dominação que coloca os interesses de uma elite acima da liberdade dos indivíduos. Ele acreditava que o verdadeiro progresso só poderia ocorrer com a liberdade individual e a autogestão, sem coerção governamental. Essas ideias ecoam na palestra de Herbert, que, assim como Spencer, enfatiza que a ordem social genuína emerge da liberdade individual e da cooperação voluntária, e não da intervenção estatal.

 

Na primeira parte da palestra, A Ilusão do Poder Político e a Arte da Sedução Eleitoral, o autor mergulha nas complexidades e contradições do jogo político, em que a busca pelo poder muitas vezes ofusca os princípios éticos e morais que deveriam guiar a ação pública. Por meio de uma análise crítica, ele explora como a política, movida pelo desejo de conquistar votos e influenciar a opinião pública, transforma-se em uma arte de sedução, na qual a retórica e os apelos emocionais são usados para encantar eleitores. O autor destaca a desconexão entre a elevada retórica da política e as realidades práticas do poder, revelando como os líderes políticos muitas vezes sacrificam suas convicções em nome da vitória. Esta reflexão nos convida a questionar a natureza do compromisso político e o custo da ambição, instigando uma profunda meditação sobre a relação entre poder, moralidade e a verdadeira representação dos interesses da sociedade.

 

Na segunda parte, A Tirania da Maioria: O Dilema do Governo Representativo, o autor analisa criticamente o sistema de governo representativo, destacando que ele opera sob a regra da maioria, o que resulta na subjugação da minoria. Ele argumenta que essa dinâmica transforma a cidadania em uma condição de dominação, na qual os direitos dos cidadãos são negados em favor de um grupo dominante. O autor adverte que, ao participar desse sistema, muitas pessoas abdicam de sua autonomia e individualidade, permitindo que suas vidas e bens sejam controlados por aqueles que exercem o poder. Ele também enfatiza que, apesar das possíveis vantagens desse sistema, não se pode ignorar a injustiça que ele perpetua, comparando a relação entre os grupos à de senhores e escravos. A necessidade de questionar e resistir a essa estrutura, em vez de aceitá-la passivamente, é um tema central, ressaltando a importância de recuperar a autogestão e a dignidade individual.

 

A terceira parte do texto, A Força em Seu Devido Lugar: Limites e Justificativas do Uso da Coerção, discute as limitações e o papel adequado da força na sociedade. O autor argumenta que a força nunca deve ser usada como um meio para governar ou controlar pessoas, mas, sim, para defender os direitos de liberdade e propriedade contra agressões. Ele critica ideologias como o anarquismo e o socialismo, que, segundo ele, também se baseiam em formas de força, mesmo que apresentem esses ideais como sendo de liberdade.

 

O autor enfatiza que a força só é justificável em uma função defensiva — para impedir o uso da força agressiva por outros. Mesmo assim, ele considera a força um mal necessário, que deve ser mantido sob rigoroso controle, comparando-a a um fogo que deve ser mantido seguro em uma lareira. A mensagem central é que a força deve ser usada apenas para eliminar sua própria influência negativa no mundo, sendo sempre subordinada a princípios mais elevados de justiça e liberdade.

 

É impressionante notar que, mais de 100 anos depois, o discurso de Auberon Herbert permanece não apenas relevante, mas necessário para a defesa do individualismo. Hoje, os defensores do coletivismo continuam a argumentar que o indivíduo deve ser sacrificado em nome de causas coletivas — seja povo, raça, nação, classe, partido ou gênero. Herbert, ao contrário, nos lembra da importância de proteger a liberdade individual contra essas tentativas de coerção.

Conheça o livro

O segundo artigo, Um apelo ao voluntarismo, foi concluído pelo Sr. Herbert apenas alguns dias antes de sua morte em novembro de 1906. Ele tinha a intenção de circular este resumo do Credo Voluntarista para assinatura daqueles que concordassem com ele.

 

Para facilitar a leitura do público brasileiro, dividimos o texto original em 10 tópicos. Essa organização permite que o leitor faça pausas e reflita sobre as ideias expostas. Compreendemos que o “manifesto” voluntarista, por sua profundidade, pode exigir mais de uma sessão de leitura para absorção completa.

 

Nele, o autor argumenta contra o uso da força e da violência na busca de mudanças sociais e políticas. O autor critica a linguagem emocional e apaixonada de quem defende a força, comparando-a à de crianças impulsivas que não consideram as consequências de suas ações. Ele ressalta que a violência transforma indivíduos racionais em bestas irracionais e vai contra os princípios que podem realmente levar a uma sociedade próspera e justa.

 

O autor enfatiza que a força, mesmo disfarçada sob formas de votação, resulta em confusão e conflito, não trazendo verdadeira prosperidade. Em vez disso, ele defende a construção de uma sociedade baseada na liberdade, na paz e na amizade, onde todos são proprietários de suas faculdades e onde se busca a autossuficiência e a autogestão.

 

Ele critica a ideia de que um pequeno grupo governamental pode cuidar das necessidades de toda uma nação, argumentando que essa abordagem é uma ilusão e que a verdadeira mudança deve vir de esforços livres e cooperativos entre os indivíduos. Ele faz um apelo para que as pessoas desenvolvam suas capacidades e sigam o exemplo de seus antepassados, agindo em seus próprios grupos sem impor força sobre os outros.

 

Prossegue discorrendo sobre a propriedade. A maior parte da propriedade pertence às classes mais ricas, mas os trabalhadores devem se organizar para conquistar sua própria propriedade. A acumulação de bens é vital para que deixem de ser a classe sem propriedade e adquiram poder e influência na sociedade. É importante evitar a interferência do Estado que restringe a propriedade, pois isso enfraquece os incentivos para sua aquisição. Os trabalhadores devem se manter afastados de partidos políticos que não defendam a liberdade pessoal, já que todos os partidos são vistos como oportunistas que buscam poder sem princípios sólidos. A luta deve ser por um entendimento mais profundo da liberdade, e não apenas por poder.

 

Além disso, o autor defende que o Império [Britânico] deve ser um instrumento de ajuda e amizade para o mundo, evitando guerras injustificadas contra estrangeiros. A verdadeira grandeza do Império reside na sua abertura e na defesa da liberdade para todos, independentemente de origem.

 

Para ele, a relação entre capital e trabalho deve ser de amizade em vez de conflitos, pois a guerra entre esses grupos perpetua um ciclo vicioso que prejudica ambos os lados. A verdadeira prosperidade só pode ser alcançada por meio da paz e da cooperação.

 

O autor enfatiza a importância da propriedade como um instrumento crucial para a liberdade, destacando que os trabalhadores devem lutar contra restrições que minam a propriedade, pois isso impede a realização de seu potencial. Ele critica o monopólio profissional, defendendo que os trabalhadores não devem permitir que qualquer profissão ganhe monopólio ou poder de decisão sobre eles, já que isso limita sua liberdade e capacidade de escolha.

 

Embora o conhecimento dos especialistas seja valioso, a verdadeira sabedoria vem da discussão aberta e da escolha do público; especialistas devem servir como conselheiros, mas não como juízes autoritários. Os trabalhadores devem se unir em associações para adquirir propriedade, criando um fundo coletivo e solidário, o que pode trazer novas formas de saúde, conforto e diversão.

 

Por fim, o autor afirma que paz e liberdade são interligadas e essenciais para o bem-estar material e moral, ressaltando que somente por meio da amizade e da paz se pode garantir um futuro próspero para todos, sem os conflitos que perpetuam a desigualdade.

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Como o articulista Roberto Rachewsky pontuou , as ideias individualistas de Herbert anteciparam as de figuras proeminentes como Ayn Rand e Murray Rothbard. Embora suas teorias sejam menos elaboradas, ele abordou os pontos essenciais de uma sociedade baseada na livre iniciativa e na propriedade privada. Um destes pontos é a relação entre força e fraude. Herbert escreve que “a fraude é irmã gêmea da força”.

 

Ele também antecipou o Princípio de Não-Agressão muito antes de ser formalmente articulado por Rand e popularizado por Rothbard. Em suas palavras: “Devemos empregar a força simplesmente como uma serva da liberdade, sob as mais rigorosas condições que a liberdade lhe impõe; devemos recusar totalmente e em todas as circunstâncias usá-la de modo a privar o cidadão inocente e não agressivo de sua própria vontade e autodeterminação.”

 

Esses pequenos detalhes fazem da obra de Herbert um clássico na defesa da liberdade. Examinar a obra de autores como ele, embora menos conhecidos, é fundamental para expandir a bagagem cultural e os horizontes intelectuais. Figuras reais, em contextos concretos, com ideias sólidas e uma profunda compreensão da realidade, nos mostram que vale a pena lutar por ideais. Além disso, demonstram que as sementes do pensamento, por menores que sejam, podem gerar grandes sistemas de ideias.

 

Rachewsky também destaca que, mesmo em tempos de crise, o voluntarismo opera com eficácia, apesar das limitações impostas pela coerção estatal. Em tempos de normalidade, o voluntarismo teria ainda mais chances de florescer.

 

O termo "voluntário" representa a ação livre, na qual o indivíduo age para "criar e produzir valor de acordo com seu próprio julgamento", sem coerção. Um indivíduo voluntário respeita e deseja ser respeitado, valorizando as relações sociais baseadas na liberdade.

 

Essa visão é justamente o que o governo e seus porta-vozes buscam desacreditar, como ressalta Rachewsky. O conceito de "voluntário" e, por extensão, o de liberdade, representa a ausência de coerção nas relações sociais — um princípio que os coletivistas estatistas frequentemente rejeitam. Auberon Herbert, assim, se destaca como um defensor essencial do voluntarismo, reforçando que a liberdade individual é a base para uma sociedade verdadeiramente saudável e próspera.

 

Já conhecia Auberon Herbert e o Voluntarismo? Quer saber mais sobre as ideias que influenciaram grandes autores como Ayn Rand e Murray Rothbard? Leia agora o livro O Credo Voluntarista e descubra como funcionaria a sociedade se o governo e os impostos não fossem obrigatórios, mas voluntários! Inscreva-se também em nosso newsletter para mais reflexões sobre política e liberdade.